Provas Digitais: Segurança e Confiabilidade no Poder Judiciário

Evidjuri
Evidjuri
Perícia
30/12/2024
Provas Digitais: Segurança e Confiabilidade no Poder Judiciário
O crescimento da utilização da internet, inclusive no âmbito das relações jurídicas, torna cada vez mais premente o reconhecimento judicial de meios seguros para o registro e a verificação dos atos praticados nos ambientes virtuais.

O crescimento da utilização da internet, inclusive no âmbito das relações jurídicas, torna cada vez mais premente o reconhecimento judicial de meios seguros para o registro e a verificação dos atos praticados nos ambientes virtuais. Isso porque o uso da tecnologia vem gerando novas visões sobre as provas judiciais, com a superação de modelos até então consagrados.

A categoria de documento eletrônico, por exemplo, foi inserida nos artigos 439 a 441 do CPC/2015 com base no conceito largo de documento recentemente desenvolvido pela doutrina, considerando-se a evolução tecnológica e a viabilização do registro de informações. Ampla também é a concepção do próprio documento eletrônico, que inclui a subcategoria do documento digital.

Enquanto o documento eletrônico é qualquer documento, analógico ou digital, que pode ser acessado, lido e interpretado a partir de um equipamento eletrônico, o documento digital, é necessariamente codificado a partir de dígitos binários. É possível, ainda, um documento cujo original cartáceo seja convertido para um suporte digital, a partir, por exemplo, de um scanner. Trata-se, pois, de um documento que não é originariamente digital – não é nato-digital – mas digitalizado.

Independentemente da previsão legal, a ampla admissibilidade das provas digitais decorre da compreensão da prova como direito fundamental e, no CPC, da própria abrangência do art. 369. Tal dispositivo permite a utilização de todos os meios legais e moralmente legítimos, mesmo que não previstos em lei. Em outras palavras, a atipicidade não apenas assegura a liberdade no campo probatório, como também evita a indesejada dissociação entre a previsão legal e a evolução dos meios tecnológicos.

Vale destacar que o documento eletrônico não se resume em escritos: pode ser um desenho, uma fotografia digitalizada, um áudio, um vídeo, enfim, toda forma de registro de dados ou informações que estejam armazenados em um arquivo digital.

Mas, muito além desses novos conceitos, é importante conceber uma forma de avaliar a confiabilidade das provas digitais. Afinal, a certificação do documento é segura? O conteúdo pode ser alterado ou manipulado por alguma espécie de tecnologia? Três critérios constituem uma espécie de bússola para tanto: a autenticidade, a integridade e a cadeia de custódia. São eles que podem criar um norte para a admissibilidade dessas provas nos processos judiciais e administrativos.

A Medida Provisória 2.200-2, 2001 instituiu, para este fim, a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), para “garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras” (art. 1º). Mas este regramento não exclui a possibilidade de outras entidades estabelecerem tecnologias e parâmetros suficientes à mesma presunção de autenticidade do documento digital, seja de forma paralela ou complementar à citada medida provisória.

Nos termos do artigo 411 do CPC, considera-se autêntico o documento sempre que houver, dentre outras hipóteses, a autoria identificada por qualquer meio legal de certificação, inclusive eletrônico, ou ainda quando não houver impugnação da parte contrária. O artigo 4º, VII da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), de igual forma, afirma que a autenticidade é a qualidade da informação que tenha sido produzida, expedida, recebida ou modificada por determinado indivíduo, equipamento ou sistema. Logo, as provas digitais serão consideradas autênticas sempre que houver certeza, por certificação ou ausência de impugnação, a respeito de sua autoria ou proveniência.

Por sua vez, a integridade corresponde à completude e à ausência de modificação ou adulteração da prova (art. 4º, VIII da Lei nº 12.527/2011). Trata-se da segurança exigida pela lei no sentido de que aquele registro é completo e original.

Em muitas hipóteses, será necessária a produção de prova técnica a respeito da autenticidade e integridade do documento reproduzido, a partir da análise dos metadados dos arquivos eletrônicos contidos em dispositivos eletrônicos e computadores. Tal análise permite verificar informações como a origem (dispositivo eletrônico), a titularidade, a data e o horário da elaboração do documento digital.

Por fim, a cadeia de custódia da prova corresponde ao caminho que os elementos probatórios devem percorrer até serem inseridos nos autos do processo judicial ou administrativo. Com efeito, nos termos do art. 158-A do Código de Processo Penal, considera-se cadeia de custódia, o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

No âmbito criminal, há uma tendência de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considere inválidas as provas digitais obtidas sem os cuidados necessários da cadeia de custódia. Tal tendência deve-se, principalmente, à compreensão de que o procedimento probatório adequado consiste numa garantia do acusado.

Em fevereiro deste ano, ao examinar a acusação de furtos eletrônicos contra instituições financeiras, a 5ª Turma do STJ concluiu que os computadores apreendidos por ordem judicial, mas que haviam sido inicialmente examinados pelas próprias vítimas, não poderiam ser considerados elementos válidos de prova. Conforme o voto vencedor, do ministro Ribeiro Dantas, a invalidade decorria do fato de a acusação e a polícia não terem observado os deveres de cuidado com o tratamento da prova, nem tampouco terem fornecido elementos que garantissem a integridade do corpo de delito submetido à perícia (RHC 143.169).

Por outro lado, o STJ já teve oportunidade de declarar que a quebra da cadeia de custódia nem sempre leva à invalidade da prova, devendo o Judiciário analisar a confiabilidade dos elementos probatórios em cada caso concreto (HC 653.515). Com efeito, em certa ocasião, reconheceu como válidos os prints de conversas de WhatsApp juntados ao processo por uma das partes, justamente porque não havia contraprova a respeito de adulteração ou alteração na ordem cronológica das mensagens (AgRg no HC 752.444).

Como se vê, os cuidados com a cadeia de custódia são importantes, mas os demais elementos de convicção também podem auxiliar na declaração da validade ou invalidade das provas.

Nos processos de natureza não penal, em que impera instrumentalidade das formas (artigos 188 e 277), há maiores possibilidades de se admitir e considerar válida a prova digital sem o registro de toda a cadeia de custódia. Logo, em princípio, eventual ruptura da cadeia de custódia pode ser interpretada como um fator a ser analisado no momento da valoração – e não da admissão – da prova. Diante deste fato, o juiz poderá, à luz do contexto probatório, atribuir menor eficácia probatória ao documento.

Nas ações de indenização e de remoção de conteúdos ilícitos da internet, muitas vezes se utiliza apenas a impressão da tela de computador ou de outros equipamentos eletrônicos (print screen). É bem verdade que isso pode gerar questionamentos diante da facilidade de sua adulteração. Daí porque uma das alternativas é a ata notarial (CPC, art. 384), ou seja, um documento lavrado por tabelião que, como uma radiografia de determinado momento, atesta a existência de um fato por ele verificado ou que tenha ocorrido em sua presença. Outros meios mais céleres e baratos também vêm sendo buscados, como a plataforma Verifact que oferece um serviço bastante similar.

A tecnologia blockchain também gera confiabilidade na medida em que cria uma cadeia de informações distribuída em diversos servidores, valendo-se de blocos de registros ligados entre si. Dessa forma, nenhum bloco pode ser alterado sem a modificação dos blocos subsequentes. No Brasil, a plataforma Original My, que utiliza blockchain vem sendo aceita em alguns tribunais.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem regulamentando a prática de atos eletrônicos (CPC, art. 196), inclusive no que diz respeito à incorporação de novos avanços tecnológicos. Nesse aspecto, a Resolução nº 408, de 18 de agosto de 2021, estabelece regras para o recebimento, armazenamento e acesso a documentos digitais em processos administrativos e judiciais. Naturalmente, a violação a tais diretivas impedirá o uso válido da prova. Como prevê o artigo 4º, os documentos ou as mídias que não estejam referenciados nos autos físicos ou eletrônicos serão considerados não integrantes do processo.

Em suma, a força probatória do documento eletrônico pode variar de acordo com a própria credibilidade dos mecanismos de segurança que envolvem a elaboração, armazenamento, transmissão e veiculação deste meio de prova.

Desde que observados esses limites, a atipicidade dos meios de prova mostra-se extremamente importante para que o direito processual civil possa acompanhar as inovações constantes da tecnologia. Essa importante reflexão pode ser sintetizada nas palavras de François Ost: trata-se de "questionamento que, no devido tempo, liberta o futuro para fazer as revisões necessárias a fim de que as promessas possam sobreviver ao tempo da mudança".

Fonte: Jota

Gostou desse conteúdo e quer saber mais? Acompanhe o portal ou as nossas redes sociais.