Big Techs seguem sem limites
Duas notícias publicadas recentemente na imprensa nacional que, aparentemente, não têm relação uma com a outra, me chamaram a atenção pelo fato de quão difícil é lidar com assuntos polêmicos — e necessários - no
âmbito político no Brasil.
Uma delas diz respeito à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de arquivar o inquérito contra duas big techs, o Google e o Telegram, por conta da atuação delas no debate sobre o Projeto de Lei das Fake News (PL 2.630/2020). Quando o tema começou a ganhar força na Câmara dos Deputados, essas empresas usaram suas plataformas para se posicionarem contra a proposta.
A segunda notícia que me despertou interesse foi o anúncio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre novas regras e sanções em relação à venda de celulares ilegais no país. A medida coloca em alerta dois dos maiores portais de comércio eletrônico do país, Amazon e Mercado Livre. Segundo a Anatel, essas empresas estão no topo da lista das que mais comercializam celulares não homologados, com 51,52% e 42,86%, respectivamente.
Traçando um paralelo entre os dois fatos, fica evidente a acentuada disputa entre o Legislativo e o Judiciário brasileiros, enquanto que o Executivo perde seu protagonismo em questões as quais deveria conduzir o debate.
A Anatel é uma autarquia do governo encarregada de manter a qualidade dos serviços prestados ao consumidor. Portanto, a não observância das novas regras de comércio de celulares pode gerar desde multas milionárias até a retirada dos sites do ar. Essas medidas afetam diretamente os maiores marketplaces do país. Ou seja, independente da influência e poderio dessas corporações, as novas regras visam dar mais segurança a quem adquire os produtos.
Neste caso, o foco foi o usuário, o consumidor final. O mesmo trato não se dá quando se trata de big techs. O PL das Fake News entra na seara da regulamentação das plataformas digitais, atuando como um filtro à divulgação de conteúdos violentos, falsos e informações que distorcem a realidade.
Um debate que nasceu e foi fomentado no Legislativo, mas que perdeu fôlego e espaço por conta da queda de braço entre integrantes do Congresso e do Supremo. No Executivo, a pauta nunca avançou. Até hoje, as iniciativas de um regramento para moderar a forma de utilização das redes sociais, sites de busca e outros mecanismos digitais partiram do próprio Congresso. Ou por ações em que o STF foi provocado.
O arquivamento do inquérito contra as big techs deixa mais claro nível de preocupação do governo em enfrentar o debate sobre a regulamentação das plataformas digitais. Ao se manifestar no processo, a Procuradoria-Geral da República pediu o arquivamento da denúncia, argumentando que não havia elementos para a abertura de um processo criminal contra Google e Telegram.
Postura bem diferente da Polícia Federal, que considerou que as empresas cometeram abuso de poder econômico e manipulação de informações. Tanto a PGR como a PF são órgãos do governo, guardadas as respectivas autonomias e limitações.
A questão é que a falta de uma regulamentação deixa o tráfego de conteúdo digital sem nenhum controle e, consequentemente, sem punição em caso de abusos. Ou seja, fica mais uma vez nas mãos do Judiciário a decisão de tomar as rédeas que o Executivo não quer segurar. Situação que provoca atritos no Legislativo sempre que um ministro do STF dá uma ordem para um procedimento que ainda não tem regra consolidada no país.
Enquanto isso, o usuário comum tem mais segurança ao adquirir um celular de procedência, mas não tem a garantia de que o conteúdo que irá receber ou acessar em seu aparelho oferece a mesma situação de idoneidade.
Fonte: Jornal Correio de Uberlândia
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